PERDI & GANHEI


Hoje eu me diverti. Muito. Eu tenho quase quarenta anos. E muitas consoantes nos dois sobrenomes. Eu não tenho ginga. Não sou malandro. Chato para muitos. Muito chato para outros.

Eu sou descendente de gente simples, que atravessou o Atlântico na coberta de um navio com pouco mais que promessas de terra e trabalho na América.
Eu, nesses quase quarenta anos, ouvi várias vezes... Isso é coisa de alemão. Tenho ódio de alemão. Só podia ser alemão. Certinho como alemão. Rigoroso como alemão. E eu não sou alemão. Sou brasileiro. Um brasileiro de olhos e cabelos escuros.

Hoje eu me diverti muito. Porque existe um pedaço do Brasil tão chato, sério e dedicado como eu tento ser. Que teima em ser correto mas que jamais foi maioria. Somos um quase nada na terra de Gerson. No máximo conseguimos fundar algumas cidades. Algumas indústrias. E só. Nosso jeito não combina...

Hoje, me vi diante deste jogo (sim, desta bobagem que é o futebol...): o meu Brasil contra a Alemanha dos meus bisavós. A Alemanha sem ginga. Sem malandragem. Chata para muitos. Muito chata para outros. Essa Alemanha dedicada. Essa Alemanha metódica. Essa Alemanha que não desiste.

De um lado o nosso time. Do outro, o time deles. Só que o engraçado, é que o time deles é o que faz aquilo que 50% do meu DNA entende por certo. Eu disse "entende". Se é certo eu não sei. Mas é enfim no que acredito. É o que o meu pai me ensinou, porque aprendeu do pai dele. Que aprendeu do pai do pai do pai de algum alemão tão chato quanto eu. O time deles é que é sério. Que é aplicado. Que trabalha na hora de trabalhar e brinca na hora de brincar. O time deles é que faz na verdade o que eu tento ensinar para meus filhos.

Duas crianças na sala. Um com 4 anos, quase inconsequente, com a camisa da Alemanha dando um pulo a cada gol. Em êxtase. Outra, com 8 anos, vestida de amarelo, ciente do que estava acontecendo, derrubando uma lágrima a cada gol sofrido.

E eu ali no meio da artilharia. Não senti a derrota por um instante sequer. Não senti, porque essa derrota é a derrota da incompetência. É a derrota da malandragem. É a derrota do oba-oba. É a derrota do time de um guri só (porque assim o quis o patrocinador). É a derrota do pagode, do pandeiro e do cavaco. É a derrota da publicidade sem limites. É derrota do CEO do Hexa. É a derrota dos amigos do rei. É a derrota da corrupção que infesta os porões da CBF e dos governos. É a derrota de um Brasil que acha que sempre se dá um jeitinho. Não. Contra seriedade, dedicação e empenho não deve haver ginga e jeitinho. E se houver, está errado. Como bem disse algum jornalista: eram 11 homens muito bem treinados contra 11 garotos perdidos em campo. Foi a vitória da aplicação tática. Foi a vitória de um time. Foi uma aula. Foi o triunfo da competência.

Eu hoje me diverti muito. Porque hoje perdeu o patrocinador. Porque hoje perdeu quem transformou um garoto negro mestiço numa tentativa de David Beckham tupiniquim, com cabelos alisados e loiros. Que no fim, convenhamos, fica mais para uma Ana Maria Braga de barba rala...

Nosso maior ídolo do futebol é negro. De cabelo pixaim. Por que raios o Neymar teima em tentar ser branco? Por que não orgulhar-se do seu cabelo crespo como o Dante. Ou como o Boateng, o negro que jogou pelo time alemão (chuuuuupa Adolf!). Hoje perderam os loiros de mentira para os loiros, castanhos e negros de verdade. Simplesmente porque não há mérito algum em ser loiro, negro ou amarelo. Só existe mérito na autenticidade. No orgulho dos nossos avós.

Eu hoje me diverti, porque hoje venceram todos os brasileiros sérios e corretos. Os brasileiros chatos. Hoje venceram os que não mais entregam seu dinheiro para sustentar um Campeonato Brasileiro fajuto. E que além de ruim, acaba decidido nos tribunais, salvando sempre os amigos do rei. Hoje venceram os brasileiros que recusam-se a assistir na TV aberta os jogos de Corinthians e Flamengo, distribuídos quase que com exclusividade como se fossem os únicos clubes relevantes dentro do nosso território continental.

Hoje, venceram os profissionais competentes que não tiveram vez nas maracutaias dos viadutos, como o de Belo Horizonte que desabou dias atrás matando duas pessoas. Hoje venceram os sérios e chatos que não projetaram e construíram aquele viaduto. Porque são minoria. Porque o jeito deles não combina.

Por fim, tentei consolar minha filha explicando que o time alemão era muito dedicado. Que treinava muito e jogava com muita seriedade. E que isso, a dedicação e o empenho, tornava-os tão bons.

Com a minha filha hoje choraram muitos brasileirinhos. Brasileirinhos das mais variadas raças que formam o que hoje entendemos como povo brasileiro. E, sinceramente, penso que foi bom para eles a derrota. Para eles, os pequenos, para nós e para o Brasil.

Que ao fim de tudo, sirva de lição. Sirva para mudar para melhor. Sirva para que não mais xinguem-se os descendentes de alemães ou de qualquer outra etnia. Que saibamos reunir o que de melhor italianos, japoneses, portugueses, negros, árabes, judeus, espanhóis, índios e tantos outros nos deixaram. Que possamos enfim um dia constituir uma nação. Uma nação dedicada. Talvez não tão chata. E talvez não tão faceira. Mas uma nação séria.

Eu hoje me diverti muito. Perdi e ganhei no mesmo jogo. E senti um orgulho imenso das tantas consoantes dos sobrenomes dos meus avôs.

Rodrigo Klassmann Daudt


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